domingo, 27 de abril de 2014

O caso ZMA das evidências e escândalos


Por Vandré Casagrande Figueiredo (Site Evidência em Saúde)




http://www.shopnutrition.com.br/


Um dos casos mais emblemáticos e interessantes do conflito entre marketing versus ciência, dentro do mercado dos suplementos alimentares, é o caso do ZMA (em inglês Zinc monomethionine aspartate and Magnesium Aspartate). Este suplemento tem em sua composição Zinco (nas formas de L-monometionina de zinco e aspartato de zinco), Magnésio (na forma de aspartato de magnésio) e Piridoxina (a Vitamina B6). Entre seus benefícios, constantemente difundidos em seus rótulos e propagandas, estão o de aumentar a força e hipertrofia muscular, além dos níveis séricos de testosterona e IGF-1. Numa rápida olhada em sites de vendas de suplementos acha-se facilmente o ZMA, produzido por diversas marcas nacionais e importadas, perfazendo mais de uma dezena de suplementos com este nome.


Muitos destes sites de vendas dispõem de informações nutricionais, indicações e informações ditas científicas sobre as evidências que corroboram ao uso do suplemento em questão. Mas será que há de fato evidências científicas para prescrever seu uso? E há evidências para o que se afirma sobre a relação do ZMA e força e hipertrofia?

Para iniciar é muito importante entender a origem do ZMA. A fórmula e composição foram desenvolvidas pela empresa BALCO (Bay Area Laboratory Co-Operative), tendo como fundador o senhor Victor Conte, a pessoa que concentra a história do ZMA e outros eventos correlatos. As premissas do suplemento ZMA são as de que zinco e magnésio aumentariam a concentração plasmática de IGF-1 e testosterona, e que ambos minerais não são devidamente ingeridos por indivíduos fisicamente ativos. A vitamina B6 é inserida ao suplemento por supostamente aumentar a absorção destes minerais.

Todavia há diversos trabalhos que demonstraram que a ingestão de zinco não é deficitária entre atletas 3,4,5,6,7,8,9. Alguns estudos encontraram diminuição da concentração sérica de zinco em atletas de elite em relação à população sedentária, porém ainda assim a concentração estava nos níveis esperados deste mineral 1, enquanto outros estudos encontraram maiores valores de ingestão de zinco entre grupos de atletas do que entre sedentários 10. Da mesma forma, os estudos sobre a ingestão de magnésio demonstram que esta é suficiente tanto entre sedentários como entre atletas e que a sua suplementação não tem demonstrado efeitos benéficos sobre o desempenho 9,11.
Sobre o pressuposto de tal suplemento elevar a concentração sérica de hormônios anabólicos (como testosterona e IGF-1), e assim aumentar força e hipertrofia muscular em seus usuários, foi realizado um estudo 2 após a criação do suplemento. O trabalho teve delineamento duplo cego randomizado e a mostra foi composta por 27 jogadores defootball americano universitário.. Os autores encontraram que os atletas que ingeriam o suplemento aumentaram a concentração plasmática de testosterona e IGF-1 e de força muscular em comparação ao grupo que não ingeriu. Porém nenhum grupo teve alteração do peso corporal.

Este trabalho, apesar de ser altamente citado em sites de vendas, não goza do mesmo status dentro do ambiente acadêmico, e são diversos os motivos para tal. Primeiro; entre os dois autores do artigo encontra-se o nome de Victor Conte (músico que não possui graduação), o mesmo dono da BALCO e fundador e presidente da SNAC system que detêm a patente do suplemento ZMA. Isto define claramente a existência de conflitos de interesses (declarados no artigo). Isso explica em partes o motivo segundo; a revista onde foi publicado o trabalho, Journal of Exercise Physiology on line (ou JEPonline), também não goza de bom status no meio científico, visto que o journal não possui requisitos básicos de uma boa revista da área da fisiologia do exercício, como ser indexado no medline e index medicus, ou possuir um índice de impacto.Além, este journal está no último (e pior) quartil dentro da categoria de fisiologia do rank da SJR, estando ranqueada em número 117 entre 130 journais, logo antes dojournal brasileiro 'Planta Daninha'.

Porém, ainda sim, outros autores se deram ao trabalho de reproduzir o artigo, afinal um dos princípios da ciência é justamente a reprodutibilidade dos experimentos. Um grupo, de forma independente e sem conflitos de interesses, publicou dados sobre o ZMA no Journal of the International Society of Sports Nutrition12. Os resultados foram surpreendentes (ou não). A suplementação de ZMA não produziu qualquer efeito anabólico, hormonal (IGF-1 e testosterona) ou sobre adaptações ao treinamento, como força e a composição corporal em relação ao grupo controle. Também foi realizado outro trabalho, por outro grupo de pesquisa13 para apurar se o ZMA pode elevar a testosterona de seus usuários, os resultados foram publicados no European Journal of Clinical Nutrition. Tal estudo encontrou apenas maior excreção urinária de zinco, mas nenhum aumento de testosterona, e chega à conclusão de que o ZMA não atinge o que promete 13.

Outra referência 17, também muito utilizada como referencial teórico do ZMA, é um resumo de congresso que relata o mesmo trabalho publicado no JEPonline, pelos mesmos autores. Dessa forma, não é considerada uma nova referência. Após o resumo de Brilla e Conta, publicado na seção de resumos de congressos e não na seção de artigos originais, consta escrito na revista:
"The accuracy, form of citation, designation, nomenclature, and the like, all remain the responsibility of the author.
Readers should note that the appearance of an abstract does not imply future publication of a regular scientific manuscript.
"
Ainda existe uma terceira referência 18 que frequentemente é citada da mesma forma e exatamente como a anterior é o mesmo trabalho. Porém desta vez não há como saber do que se trata, pois é impossível de achar-se o trabalho. Possivelmente nunca tenha sido publicado, pois apesar de ter sido submetido em 1998 ou 99, a referência ainda consta como "in press". O termo é comumente usado nas referências bibliográficas para avisar ao leitor que tal referência está na revista científica para publicação e, portanto, já aceito, mas ainda não publicado. Ou seja, os autores submeteram este trabalho, e difundiram sua referência na espera que fosse aceito. Contudo nunca foi aceito, e agora este deve ser a referência inexistente mais popular do mundo, muitos usam sua referência, mas nunca o leram. No site da própria SNAC consta tal trabalho que nunca existiu e ainda sim utiliza o termo "in press", o que deve ser o primeiro caso na literatura de um trabalho ficar "in press" por mais de dez anos. E ao que parece ficará neste limbo por mais um bom tempo, visto que a revista, Sports Med Train Rehab, não existe mais com este nome.

Se não bastasse tudo isso para ferir a imagem dos produtores e detentores dos direitos do ZMA, algum tempo depois deflagrou-se uma operação contra a BALCO no caso que ficou conhecido como escândalo BALCO ou escândalo do THG.

O escândalo BALCO e THG


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfx9HH6dVr1JWxCs5EBxGi4ZBUvMQoNS0pObY1nYSg41v36K6vz7xBVILYeYeiL-1Xs-XjxCG9Kp5W3mkbBV-xPwgviSv9GcMIFg9f3-DgCAaajbT2Kpvsl3rMitHqiLCGsmPyanSKvXw/s1600/Victor-Conte-with-bottle.jpg

Victor Conte foi sentenciado por quatro meses de prisão e mais quatro de prisão domiciliar em 2005, assim como outros funcionários da BALCO também foram. Conte foi condenado pelo seu esquema para fornecer a atletas americanos drogas anabólicas indetectáveis em antidopings, além de lavagem de dinheiro. A USADA (United States Anti-Doping Agency) acusou a BALCO de ser a fornecedora de THG a diversos atletas de elite olímpicos (entre eles Tim Montgomery e Marion Jones, ambos medalhistas de ouro) e diversos jogadores de baseball. O THG (tetrahidrogestrinona) foi desenhado por um químico da BALCO. Com esta droga, vários recordes olímpicos foram quebrados. Era conhecido como "The Clear Tetrahydrogestrinone", devido, até então, não haver exame antidoping disponível, afinal este foi um esteróide unicamente produzido para este fim, a dopagem, e por muito tempo sua existência fora desconhecida.  

Após o escândalo da BALCO, Victor Conte, abriu sua nova empresa, a SNAC system (Scientific Nutrition for Advanced Conditioning) de suplementos alimentares. E nesta empresa depositou seu carro-chefe, o suplemento conhecido como ZMA, e o patenteou 15. Agora, Victor Conte não vende mais esteróides anabólicos ilegais, mas sim apenas um suplemento com diversas alegações sem nenhuma evidência científica, que, apesar de tudo, conseguiu introduzi-lo no mercado, rendendo-lhe milhões. O próprio Victor Conte estimou que,durante os anos de 1999 e 2003, o ZMA teve uma vendagem em torno de 100 milhões de dólares no mundo todo 16.

Conclusão

O que há de verdade sobre o ZMA é que não há qualquer pesquisa científica que tenha demonstrado que este suplemento funcione. Muito pelo contrário, os poucos trabalhos feitos até hoje demonstram que este suplemento específico falha em todas suas asserções sobre rendimento ou hipertrofia muscular e que suas prerrogativas (de ingestão inadequada destes minerais) não são verdadeiras. Os únicos argumentos usados em seu favor são três referências (nenhuma científica, e uma que nunca existiu) com conflito de interesses e rigor científico muito inconsistente. Em ciência é difícil de afirmar algo com tanta convicção e de forma tão decisiva, porém, no caso do ZMA, não é difícil decidir-se a cerca de sua prescrição ou não: é um grande e certo não!


Referências:
1. Arikan S, Akkus H, Halifeoglu I and Baltaci, AK. Comparison of plasma leptin and zinc levels in elite athletes and sedentary people. Cell Biochem Funct 2008; 26: 655–658.
2. Brilla LR, Conte V: Effects of a novel zinc-magnesium formulation on hormones and strength. J Exerc Physiol Online 2000; 3:26-36.
3. Casimiro-Lopes G, de Oliveira-Junior AV, Portella ES, Lisboa PC, Donangelo CM, de Moura EG, Koury JC. Plasma Leptin, Plasma Zinc, and Plasma Copper Are Associated in Elite Female and Male Judo Athletes. Biol Trace Elem Res (2009) 127:109–115
4. Couzy F, Lafargue P, Guezennec CY . Zinc Metabolism in the Athlete: Influence of Training, Nutrition and Other Factors. Int J Sports Med 1990; 11(4): 263-266  
5. Fogelholm M. Micronutrients: interaction between physical activity, intakes and requirements. Public Health Nutrition (1999), 2:349-356
6. Fogelholm M, Laasko J, Lehno J, Ruokonen I.. Dietary intake and indicators of magnesium and zinc status in male athletes. Nutrition  Research. 1990; 11(10): 1111-18
7. Lukaski HC, Hoverson BS, Gallagher SK, Bolonchuk WW. Physical training and copper, iron, and zinc status of swimmers. Am J Clin Nutr. 1990 Jun;51(6):1093-9.
8. Lukaski HC. Micronutrients (magnesium, zinc, and copper): are mineral supplements needed for athletes? Int J Sport Nutr. 1995 Jun;5 Suppl:S74-83.
9. Lukaski HC. Magnesium, zinc, and chromium nutriture and physical activity. Am J Clin Nutr. 2000 Aug;72(2 Suppl):585S-93S.
10. Nuviala RJ, Lapieza MG, Bernal E. Magnesium, zinc, and copper status in women involved in different sports. Int J Sport Nutr. 1999 Sep;9(3):295-309.
11. Newhouse IJ, and Finstad EW. The Effects of Magnesium Supplementation on Exercise Performance. Clinical Journal of Sport Medicine, 2000. 10:195–200
12. Wilborn CD, Kerksick CM, Campbell BI, Taylor LW, Marcello BM, Rasmussen CJ, Greenwood MC, Almada A, Kreider RB.  Effects of Zinc Magnesium Aspartate (ZMA) Supplementation on Training Adaptations and Markers of Anabolism and Catabolism. J Int Soc Sports Nutr. 2004 Dec 31;1(2):12-20.
13. Koehler K, Parr MK, Geyer H, Mester J, Schänzer W. Serum testosterone and urinary excretion of steroid hormone metabolites after administration of a high-dose zinc supplement. Eur J Clin Nutr. 2009 Jan;63(1):65-70. Epub 2007 Sep 19
14. BALCO boss begins jail sentence. BBC [internet]. 2005, Oct 18. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/athletics/4350810.stm
15. After BALCO, Conte still in the supplement game. USA Today [internet]. 2007, Ago 7. Disponível em: http://www.usatoday.com/sports/2007-07-08-conte-cover_N.htm
16. Man at the heart of the THG scandal. BBC [internet]. 2003, October 23. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/athletics/3207793.stm
17. Brilla, L. R.; Conte, V. Effects of Zinc-Magnesium (Zma) Supplementation on Muscle Attributes of Football Players. Medicine & Science in Sports & Exercise: May 1999 - Volume 31 - Issue 5 - p S123 Annual Meeting Abstracts
18. Brilla LR, Conte V. A novel zinc and magnesium formulation (ZMA) increases anabolic hormones and strength in athletes. Sports Med Train Rehab. November 1998 (In Press?!)

7 comentários:

  1. Parabéns pelo conteúdo! Usei ZMA uma vez só para ver se fazia ou não efeito. Mantive minha linha de ganhos, nem mais nem menos e como experiência pessoal vi que foi perda de tempo. Mas como parte da ciência se compõe de realizar experimentos, foi isso que fiz.

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  2. Obrigado pelo comentário Marlon!

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  3. Sou farmacêutico e ciclista amador utilizei o ZMA como manda o fabricante, uma cápsula a noite antes de dormir. A minha avaliação física antes de tomar e depois de 20 dias utilizando o produto, foi praticamente a mesma a ação e mais psicológica. Caso consiga algo científico confiável favor publique, que será de grande valia e parabéns pela pesquisa.

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    1. Jardel, esqueça! Não vai sair algo com boas evidências de que o ZMA funcione. Já existem evidências suficientes contra o uso dele. O mal é que a propaganda vai mais longe do que a informação dos artigos. E a maioria dos leigos, e ate mesmo pessoas estudadas ainda caem nessa onda. Obrigado por ler nosso blog. Abraços!

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  4. Rsrsrs tô com um frasco cheio dessa porcaria aqui em casa, testei, não vi qualquer benefício e abandonei, grana jogada fora, bom... pelo menos agora tenho conhecimento e posso alterar meus amigos

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  5. Parabéns Pablo pelo belo trabalho de divulgação científica de qualidade. Todos nós ganhamos com isso!!!!

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