A banana, celebrada por sua versatilidade e riqueza nutricional, há tempos é reconhecida como um "remédio natural" contra as temidas câimbras musculares. Esse atributo, amplamente difundido no imaginário popular, é sustentado pela crença de que sua generosa concentração de potássio atua como um elixir reparador para os músculos. No entanto, será que essa convicção resiste ao crivo da ciência? É o que proponho a explorar neste texto.
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Certa vez, conversando, um amigo questionou sobre o que seria eficaz para prevenir câimbras constantes, já que, mesmo ingerindo cinco ou mais bananas por dia, ele não percebia nenhuma melhora significativa. Fiquei surpreso,pois, a solução tão amplamente divulgada não estava funcionando. Essa experiência despertou o interesse de investigar mais a fundo o assunto.
O primeiro ponto a se questionar foi: Quais são as causas das câimbras? Seriam somente exercícios físicos, desidratação e desequilíbrio eletrolítico? A resposta é que não. Há uma multiplicidade de fatores que podem desencadear às câimbras musculares, e nem todos estão relacionados aos elementos que uma banana poderia ajudar a suprir. Por exemplo, já enfrentei problemas dolorosos de câimbras devido a condições completamente diferentes, como alterações na tireóide como também o uso de medicamentos para ansiedade, como a sertralina. Além disso, fatores genéticos desempenham um papel relevante na predisposição às câimbras. Mas, ainda que as causas sejam variadas, poderia-se argumentar que o mecanismo fisiológico das câimbras seria o mesmo, independentemente do fator desencadeante, e que, portanto, a ingestão de bananas poderia preveni-las. O problema é que a ciência ainda não elucidou totalmente o mecanismo de ação, ficando essa lacuna, tanto para se saber exatamente a causa, como para a resolução no tratamento e em sua prevenção.
Mas de onde surgiu o mito da banana? Existem algumas hipóteses:
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Atletas e treinadores frequentemente observam que câimbras tendem a ocorrer após treinos intensos e períodos de sudorese excessiva. A teoria do eletrólito e da desidratação surgiu de um estudo em 1923 (sim, 100 anos atrás) no qual eles observaram cãibras em mineradores de carvão em condições quentes e úmidas. Este estudo moldou a maneira como muitas pessoas vêem as cãibras musculares até hoje. E é aqui que podemos começar a entender o porquê a banana, fonte de potássio, é tida como uma solução para as contrações involuntárias.
O potássio é o eletrólito que ajuda a manter as células musculares em repouso, impedindo que elas se ativem sem necessidade. Por isso, se acredita que, na perda de potássio, devido ao calor ou atividades físicas, os músculos podem se contrair de forma descontrolada, levando às famosas cãibras. Essa idéia parece fazer sentido: menos potássio significaria mais facilidade para os músculos se ativarem. Mas, como dizia H.L. Mencken : "Para todo problema complexo, sempre haverá uma solução simples, elegante e completamente errada."
Vejamos os problemas com esse raciocínio:
1- Primeiramente, o suor, que é perdido durante exercícios físicos e em situações de calor intenso, não contém altas concentrações de potássio, mas sim de sódio. Isso ocorre porque o potássio está predominantemente localizado no interior das células, enquanto o sódio circula majoritariamente no meio extracelular, como no sangue (veja imagem abaixo):
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Sendo o sódio o responsável pela ativação do potencial de excitação e, consequentemente, pela contração muscular, surge um aparente paradoxo: como a perda do íon que causa a contração poderia favorecê-la? A explicação está no equilíbrio do corpo. Quando o sódio extracelular é perdido, o potencial de ativação da célula necessariamente diminui, já que há menos moléculas de sódio disponíveis para o processo. Esse ajuste no potencial de ativação pode tornar as células musculares mais suscetíveis a descargas descontroladas, resultando em câimbras. Inclusive, algumas pesquisas mostram que jogadores que perdem mais sódio têm cãibras com mais frequência em comparação com jogadores que perdem menos sódio Bergeron et al. 2003 , Stofan et al. 2005.
É importante salientar que, esses estudos são observacionais, portanto, apenas podem mostrar uma correlação, não necessariamente sendo uma causa. Outros estudos clínicos (maior qualidade) mostram resultados curiosos:
Em 2005, foi realizado um estudo com triatletas de Ironman. Os resultados mostraram que não houve diferença clinicamente significativa nos níveis de eletrólitos ou hidratação entre os atletas que apresentaram cãibras e os que não apresentaram.
Em 2013, outro estudo com 10 indivíduos submetidos a uma desidratação de 5% da massa corporal (considerada uma desidratação grave) não demonstrou maior probabilidade de cãibras, mesmo após a realização de exercícios controlados.
Em 2011, 210 triatletas do Ironman participaram de um estudo que identificou dois fatores de risco para cãibras musculares: tempos de corrida mais rápidos e histórico prévio de cãibras. Não foi observada nenhuma associação entre níveis de eletrólitos ou hidratação e a ocorrência de cãibras entre os atletas que as experimentaram e os que não as tiveram.
Uma revisão Cochrane por Garrison et al. (2012) concluiu que é improvável que a suplementação de magnésio forneça profilaxia clinicamente significativa para cãibras. Além disso, níveis baixos de eletrólitos (como magnésio, cálcio, potássio, sódio e cloreto) estão associados a cãibras musculares generalizadas, ou seja, em qualquer músculo, em qualquer momento e até mesmo em repouso.
Contudo, as evidências sugerem que as cãibras musculares induzidas pelo exercício manifestam-se exclusivamente nos músculos diretamente envolvidos na atividade física em execução.
Todavia, embora estudos clínicos indiquem que a baixa reposição hidroeletrolítica não esteja diretamente relacionada à ocorrência de cãibras, é importante ressaltar que a manutenção de uma boa hidratação e a adequada reposição de água, eletrólitos e glicose são essenciais. Essas práticas não apenas contribuem para um melhor desempenho nos treinos, mas também, conforme os mesmos estudos, ajudam a reduzir a intensidade da dor e a duração das cãibras quando estas ocorrem.
Mas então, o que causaria de fato uma cãibra?
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A maioria dos pesquisadores agora acredita que as cãibras musculares são, na verdade, causadas pela superestimulação dos neurônios motores no sistema nervoso que transmitem mensagens e controlam nossos músculos.
Como prevenir e aliviar com base em evidencias
Há algumas evidências de que bebidas que contêm vinagre, como suco de picles, podem ajudar a prevenir e aliviar cãibras musculares durante o exercício. Isso não tem nada a ver com os níveis de eletrólitos, mas sim porque o vinagre desencadeia um reflexo após a ingestão que reduz a atividade do neurônio motor que leva a cãibras musculares.
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Imagem: shutterstock |
Em outras palavras, o vinagre envia um sinal ao cérebro para dizer aos músculos para pararem de se contrair e relaxarem. Na verdade, vários estudos confirmaram que o suco de picles é mais eficaz do que bebidas esportivas no tratamento de cãibras musculares, incluindo este estudo do Departamento de Saúde, Nutrição e Ciência do Exercício da Universidade Estadual de Dakota do Norte.
Um estudo de Craighead et al. (2017) sugere que a ingestão de agonistas de TRP pode atenuar cãibras induzidas por músculos ao diminuir a hiperexcitabilidade do neurônio motor alfa. Esses agonistas de TRP são gengibre, pimentas, wasabi e canela. No estudo, os participantes consumiram até 500 mg de canela, 38 mg de capsicum ou 750 mg de gengibre.
Os alongamentos, embora não previnam as cãibras, são eficazes para aliviar o desconforto no momento em que ocorrem. Manter uma boa forma física e aumentar a resistência aos treinos são estratégias importantes para evitar novas recorrências de contrações involuntárias. Além disso, o uso de sprays e compressas frias pode ajudar a aliviar a dor associada ao episódio. Por fim, identificar a causa subjacente das cãibras é fundamental para melhorar a saúde geral e ajustar os parâmetros necessários para preveni-las no futuro.
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